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quinta-feira, 14 de julho de 2016

A queda da URSS e o mito do colapso econômico

Como já feito de outras vezes, o camarada Allefy Matheus, dispôs a compartilhar o que ele posta em seu blog (que, aliás, recomendo).

O artigo baixo é a versão traduzida deste artigo, que, por sua vez, é o resumo de um artigo (citado ao fim do texto) de David Kotz e Fred Wair. Ei-lo:


71 anos se passaram após a grande vitória da URSS na Guerra Patriótica!


Mais e mais intelectuais, especialistas em suas áreas, estão repensando visões generalizadas sobre a União Soviética. Um dos mitos mais difundidos é o do colapso econômico, e é também dos que mais vem sendo contestado. De acordo com este mito, a queda da URSS teria sido devida principalmente a uma crise econômica brutal (pela ineficiência do sistema). Mas na Rússia, como em outros lugares, muitos pensam que a queda da URSS não teve muito a ver com uma suposta crise econômica, mas que foi um processo iniciado pelas elites da própria URSS, e a crise econômica não seria a causa da reforma, mas sua consequência, embora tenha sido usado como uma desculpa. Esta é uma crença bastante difundida na Rússia (ver por exemplo, os estudos de Kara-Murza e outros, alguns deles até mesmo traduzidos em espanhol), mas também compartilhada por outros. Aqui, por exemplo, eu apresento um resumo de um artigo de David Kotz e Fred Wair, publicado na revista húngara à esquerda “Eszmélet’’ (‘Consciência’). O artigo é um resumo de seu livro “Revolução de cima: o desaparecimento do sistema soviético”.

Em relação ao artigo, eu não concordo com tudo o que os dois autores discutiram, mas no geral acho que é uma análise muito interessante.

Vista do Kremlin, centro de Moscou.


Os autores partem da ideia, que tentam demonstrar no texto, que, embora a URSS tivesse graves problemas econômicos, não havia nenhuma indicação de que houvesse qualquer perigo de colapso econômico, e este não ocorreu até que a elite do país destruiu o sistema econômico existente. Foi a estrutura não-democrática do país que causou o desastre, e não a economia planificada.

Eles começam falando da planificação soviética e de sua história:


Desde 1917 os bolcheviques testaram várias estratégias quanto à estrutura econômica do país; apenas na década de 1920 é que surgiu o chamado sistema soviético. Se caracterizava pelo fato de que todas as empresas agrícolas eram de propriedade pública e eram dirigidas, em última instância, por uma instituição central de Moscou.

Usina hidrelétrica de Dniépr (construída entre 1927 e 1932). A foto é de 1947.


Apesar disso, a economia soviética teve um forte crescimento e um desenvolvimento rápido. Muitos pensam que este rápido crescimento foi alcançado pelas medidas de repressão contra certos setores da sociedade, bem como pelas condições de vida difíceis. Mas os autores dizem, muito pelo contrário, que o regime stalinista desacelerou o crescimento econômico, que poderia ter sido muito maior do que realmente era.

Entre 1928 e 75 a economia soviética cresceu a uma taxa de 5,1% ao ano. Entre 1950 e 75, quando a economia já havia se industrializado, o crescimento econômico soviético permaneceu elevado, ainda mais do que os EUA.

O sistema soviético teve muitas vantagens sobre o capitalismo: o pleno emprego, a possibilidade de utilizar os lucros das empresas maciçamente no desenvolvimento da educação e da formação e o fato de não ser afetado pelas crises periódicas do capitalismo.

Nem tudo pode ser medido pelo PIB ou crescimento econômico, mas, em 1975, o país atrasado que havia sido a URSS havia se tornado uma potência econômica que de muitas maneiras competia com os EUA, e estes chegavam a estar em desvantagem numérica em alguns casos (veja o exemplo da corrida espacial).

Quebra-gelo atômico "Lenin", o primeiro navio de superfície no mundo alimentado por energia nuclear (1959-1989)


Se, em 1960, metade de todas as famílias soviéticas tinham rádio, 10% televisão e 1 em cada 25 freezer, em 1985 todas as famílias tinham esses aparelhos. Em 1980, a URSS tinha mais médicos e leitos hospitalares do que os EUA. Na década de 70 o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico da URSS foi seguido com alarme pelas potências ocidentais. Muitos pensaram que o futuro pertencia ao regime soviético, com suas grandes conquistas, apesar de seus traços negativos.

No entanto, desde 1975, a economia soviética interrompeu o rápido desenvolvimento que teve até então. E o progresso tecnológico também parara. Pela primeira vez em décadas a economia americana crescia mais rápido que a soviética. Além disso, a corrida armamentista, reforçada pela administração Reagan, afeta-a seriamente.

Em 1985 Gorbachev chega ao poder, e a elite dirigente da URSS reconhece que reformas são necessárias. Mas suas reformas não trouxeram uma melhoria da situação, e a produção seguiu sem decolar. Entre 1985 e 1989, o crescimento econômico soviético médio foi de 2,2%, em vez dos 1,8% entre 1975 e 1985. Mas, desde 1975, nunca houve um crescimento negativo, enquanto que nos EUA ocorreu ao longo de três anos.

Até o fim dos anos 80, a escassez de mercadorias se acentua. Para analistas ocidentais isso significavam os primeiros sinais de colapso, mas a explicação era outra; a razão era que a renda das famílias aumento muito mais do que a produção de artigos de consumo. As culpadas disto eram as reformas econômicas, que haviam descentralizado a produção e deixado de regular a renda.

Assim, se a meados dos anos 80 a renda familiar cresceu 3-4% ao ano, em 1988 saltou a 9,1% e em 1989 a 12,8%. No entanto, os preços, que ainda não tinham sido estabelecidos pelas instituições centrais, não mudaram quase nada. Então as pessoas viram-se com um monte de dinheiro nas mãos, dos quais queriam se livrar o mais rápido possível. Em seguida, viu-se as lojas ficarem completamente vazias. O consumo, na realidade, continuava a crescer.

É verdade que a economia soviética não conseguiu um crescimento notável nos anos 80, mas a imagem do colapso econômico é falsa.

Porém, a coisa muda entre 1990 e 1991. Gorbachev está perdendo poder para Yeltsin. Em maio de 1990 Yeltsin ganhou poder na Federação Russa, e tentou concentrá-lo todo em suas mãos, tirando-o das autoridades soviéticas. Assim, as instituições de planificação econômica encontraram-se sem qualquer poder real, e a economia soviética, que era um todo homogênea, começou a desabar lentamente. É importante destacar: a crise não veio da incapacidade da economia planificada, mas do seu desmonte, que levou a uma ausência de meios de coordenação eficazes.

O operário e a camponesa (1937), de Vera Mukhina, na era soviética.
                                                                     
      
 A elite escolhe o capitalismo:


Como é possível que o regime soviético tenha caído sem oposição aparente?

Gorbachev e seu círculo pensavam que o principal defeito do regime soviético era a falta de democracia; por isso, desenvolveram a Perestroika (reestruturação). Formam-se 3 grandes grupos de opinião: os partidários da reforma, os partidários da manutenção do sistema como estava e os que rejeitavam o comunismo (“ultrapestroikistas”). Os anticomunistas, liderados por Yeltsin, se impôs a todos, porque conseguiu o apoio das elites do país.

Os estudos de Alec Nove, Farmer e Matthews e outros mostram que após a Segunda Guerra Mundial a elite soviética era uma casta ambiciosa e sem princípios definidos; só se importava com poder e ganhos pessoais. Em 1991, muitos membros desta elite reconheciam abertamente que não eram comunistas, embora estivessem no Partido Comunista. Esta raça de oportunistas avaliou as suas opções com a chegada das reformas de Gorbachev: não lhes beneficiava o socialismo democrático de Gorbachev e muitos poucos membros dessa elite apoiavam o retorno ao sistema anterior. Ainda que esse sistema lhes tivesse dado poder, era limitado, uma vez que não possuíam a propriedade privada e, portanto, o acúmulo de bens.

 Quando, em 1991, há uma tentativa de golpe contra as reformas, a mesma falha porque a elite se posiciona a favor de Yeltsin. Esta elite estava ansiosa para obter a posição de que gozaria no ocidente. E compreendeu que sua posição no país como novos capitalistas oferecer-lhes-iam muitas vantagens.

Assim aconteceu, por exemplo, com Viktor Chernomirdin, primeiro ministro do governo russo entre 1992 e 1998, que tinha sido ministro de produção e tratamento de gás durante a era soviética. Hoje é um dos homens mais ricos do mundo e maior acionista da GAZPROM. Segundo uma análise, entre os 100 mais destacados homens de negócios da Rússia, 62 eram membros da elite comunista e 38 vêm do mercado negro e do mundo do crime. 

Um estudo de junho de 1991 da cientista política norte-americana Judith Kullberg mostra que 77% da classe alta soviética era partidária do capitalismo, 12% do socialismo democrático e 10% do comunismo ou nacionalismo.

De acordo com um estudo realizado em 1991 por uma fundação americana na Rússia europeia, 10% da população queria voltar para o sistema anterior às reformas, 36% eram a favor do socialismo democrático, 23% do modelo social-democrata sueco e apenas 17% queriam um sistema similar ao capitalismo americano ou alemão. Ou seja, 69% queriam alguma forma de socialismo.

Outros estudos e pesquisas mostram taxas ainda mais baixas de apoio ao capitalismo ocidental.

Os reformistas dominavam as estruturas do poder soviético, mas os partidários do capitalismo dominavam as russas, por isso seu principal objetivo era destruir de alguma maneira a URSS. O referendo de março de 1991, entretanto, mostrara que a maioria da população era contra algo do tipo.



No artigo também se mencionam dados interessantes sobre a economia da URSS:

Crescimento econômico entre 1928 e 1985:

1928-40: URSS- 5,8% EUA- 1,7%
1940-50: URSS- 2,2% EUA- 4,5%
1950-70: URSS- 4,8% EUA- 2,9%
1975-85: URSS- 1,8% EUA- 2,9%

 Fonte: The Real National Income of Soviet Russia since 1928, Abraham Bergson, 1961; Measures of Soviet National Product in 1982 Prices, Joint Economic Committee, U.S. Congress.



Crescimento da economia soviética entre 1986-1991:


1986: 4,1%
1987: 1,3%
1988: 2,1%
1989: 1,5%
1990: -2,4%
1991: -12,8%

 Fontes: Measures of Soviet National Product in 1982 Prices, Joint Economic Committee, U.S. Congress.



Nota: O artigo foi escrito originalmente para o Fórum Comunista.

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